Por: Lucia Cavalcanti, Conselheira Consultiva no Observatório Social do Brasil – São Paulo.
O caderno publicado pelo International Monetary Fund (IMF) em setembro, intitulado Well Spent: How Strong Infrastructure Governance Can End Waste in Public Investment, joga luz sobre a importância da qualidade do gasto público. Dado que nem sempre é possível aos países elevar o volume de investimentos, em função do nível de dívida pública ou da impossibilidade de aumento da carga tributária, entre outros fatores, fica evidente a importância do fortalecimento da governança do gasto público, aí compreendidas as instituições e o framework envolvidos no planejamento e execução dos investimentos. Uma governança forte tem o potencial de elevar a eficiência e produtividade do investimento, além de estimular os investimentos do setor privado. Somente quando revestidos de alta qualidade, os gastos públicos de fato contribuem para o crescimento e desenvolvimento sustentável da sociedade. O investimento público “bom” é chave para o crescimento econômico, a criação de riqueza e a redução das desigualdades.
Os números e as experiências reportados no trabalho são muito significativos:
- a mediana dos 164 países avaliados revela um desperdício de mais de um terço dos recursos investidos em infraestrutura (projetos complexos e de longo prazo) devido à ineficiência na sua governança;
- o percentual de perdas passa de 15% nas economias desenvolvidas a 34% nos países emergentes, atingindo 53% nos países em desenvolvimento de baixa renda;
- as causas da ineficiência não se resumem à corrupção: avaliações ruins de projetos, critérios deficientes para a seleção, falta de transparência no procurement, falta de recursos para finalizar as obras em andamento e custos acima do planejado são alguns dos outros fatores;
- a partir dos resultados do Public Investment Management Assessment (PIMA), ferramenta desenvolvida pelo IMF e aplicada em mais de 50 países, o estudo conclui que há oportunidades de ganhos de eficiência em todos os países, em todas as regiões e em todos os níveis de desenvolvimento econômico;
- a mensagem é que uma governança e gestão fortes têm o potencial de reduzir em mais de 50% as perdas identificadas.
Projetos de grande porte, de alta complexidade e de longo prazo são naturalmente mais suscetíveis à corrupção. Nestes projetos, há um nível maior de discricionariedade dos agentes públicos. Além disto, é comum um alto grau de assimetria de informações, o que dificulta a detecção de condutas ilícitas em termos de preços inflacionados, qualidade inferior do produto ou serviço, entregas fora do prazo, etc… O trabalho informa que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estima que o suborno envolvendo o procurement do setor público, nos países-membros, aumenta o custo dos contratos entre 10-20%. Outro dado que chama a atenção é o fato de que diversos estudos mostram que países com índices elevados de corrupção tendem a investir menos em educação e saúde, favorecendo os grandes projetos de infraestrutura com menor impacto econômico e social.
O trabalho apresenta um roadmap para aqueles que desejam agir e ampliar os benefícios econômicos e sociais dos investimentos realizados. Inúmeras iniciativas em diferentes países têm se mostrado capazes de endereçar adequadamente os principais gargalos na gestão dos investimentos públicos. Entre as principais ações, destacam-se o estabelecimento de práticas inovadoras em áreas críticas, o gerenciamento do risco fiscal, a integração entre planejamento e orçamento, a adoção de melhores práticas na avaliação e seleção de projetos. No quesito corrupção, as estratégias de mitigação dos riscos, ao longo do ciclo de investimentos, envolvem a definição clara dos níveis de autoridade para tomada de decisão sem conflitos de interesse, framework e critérios transparentes, arranjos eficientes para cobrar a responsabilidade pelas decisões tomadas, estrutura robusta para divulgação das informações relevantes em todas as principais etapas do ciclo (transparência) e a integridade das transações dos entes privados e públicos envolvidos no processo.
O trabalho do IMF demonstra quão importante é a governança dos gastos públicos. Enumera as ações que podem mitigar os riscos de ineficiência sob a ótica dos agentes envolvidos no processo e dos mecanismos existentes dentro deste framework. Além desta perspectiva, é importante ressaltar o controle social, que se traduz na ação que a sociedade pode ter sobre o gasto público. Essa ação pode se revestir de diversas maneiras, tais como o processo eleitoral, os orçamentos participativos, os portais de transparência e as associações como o Observatório Social do Brasil (OSB). O OSB atua na promoção da transparência do gasto público, através da fiscalização dos usos dos recursos, no estímulo à formação de uma cultura cidadã, de forma independente e apartidária, consolidando, assim, nossa democracia.